A não ser que você viva em um ambiente extremamente controlador e sem acesso à internet, ou TV, ou qualquer mídia sequer, incluindo livros, você já se deparou com um conteúdo adulto, trocando em miúdos: pornografia.
Além disso, você pode ter sua própria opinião sobre isto, sendo a favor, sendo contra, ou sendo a favor mas com muitos poréns. Enfim, pornografia é um debate em que cada um tem sua opinião, aliás, sexualidade como um todo é um campo em que muitos tem opiniões.
Um tema tão complexo assim fica difícil saber como começar. Acho que do começo seria mais fácil, porém fazer uma longa história sobre a pornografia pode até ser interessante, mas não precisa de tanto.
Algum pontos iniciais que acho digno de nota é que:
1) Registros de cenas de sexo são tão antigas quanto a própria humanidade, então, aquela velha história de que se alguém fala que “antigamente não tinha essas coisas”, tinha sim, Ô SE TINHA;
2) A palavra “pornografia” e o que ela registrava até o século XVII, mais ou menos, era uma descrição, em palavras ou gráficas, da vida das trabalhadoras sexuais. Então, era um misto de erotismo com fofoca bem interessante.
E como tudo na vida, a pornografia mudou até chegar no ponto que temos conhecimento hoje em dia, podemos até pensar em uma nova perspectiva com conteúdos sendo distribuídos em redes como Twitter e OnlyFans. Mas, quero focar na industria, na pornografia mainstream e o que se propõe ser seu contraponto, a pornografia dita feminista.
Não é necessário descrever o que seria o mainstream no caso, basta pensar na imagem que vem em nossas mentes quando falamos desse assunto. Mulheres e homens com corpos esculturais, bezuntados de óleo, em posições acrobáticas, gemidos altos (um tanto quanto falsos), agressividade, ausência de preservativos e falas esquisitas que não fazem sentido nenhum.
Algo que é digno de nota, o pornô que existe hoje não era o mesmo que era nos anos 1990 por exemplo. O que há agora é a introdução da pornografia gore (termo usado para conteúdos com violência extrema e um tanto quanto nojentos) dentro do mainstream. Assim, podemos observar como certas coisas vão sendo transformadas, como hoje o soft porn é algo que vemos em qualquer filme hollywoodiano e também o que era agressivo dentro da pornografia, hoje, é mainstream.
E, como diria a terceira lei newtoniana para leigos, tudo que há uma ação, há uma reação.
Nos anos 1980, mais ou menos, ao mesmo tempo que aumentava a presença de grupos que defendiam uma maior liberdade sexual, muito do BDSM (grupo fetichista) que vemos hoje tem origem neste momento, havia os que tinham uma visão extremamente puritana no assunto. Este momento foi o BOOM do feminismo radical, com um intenso discurso anti-pornô e contra qualquer outra prática sexual não normativa. E é digno de nota que: tais feministas se aliaram com grupos reacionários para criar leis contra a pornografia.
Enfim, muitos anos se passaram e tais trabalhos sexuais (sim trabalho sexual é trabalho) seguem existindo assim como a necessidade de mudar a perspectiva sobre o assunto. E é aqui que começamos a chegar onde eu queria.
Nos idos de 2017 mais ou menos, eu comecei a ver mais afundo os estudos sobre sexualidade e acabei tendo uma oportunidade de fazer um trabalhinho em grupo sobre pornografia. Eis que acabei conhecendo a tal da Erika Lust, uma cientista política que resolveu entrar neste mundo do pornô.
Sua proposta era exatamente de mudar a visão sobre a pornografia, de uma visão masculina e violenta, para uma visão feminina e feminista. O que eu consegui ver gratuitamente dela, eu vi, mas, sendo uma mulher feminista, não achei nada interessante o que estava sendo proposto, mesmo a série com foco fetichista.
Tem um TedTalks dela que ela fala da visão dela sobre pornografia de uma maneira muito universalista, no caso que todas as mulheres iram gostar do que ela estava propondo, e seguindo a lógica liberal, se há um público vai haver um produto, como se não existisse uma pornografia voltada para público feminino antes dela….
Enfim.
Eu tenho os meus jeitos específicos de classificar as coisas. Quando algo está em tons pastéis, meio blasé, meio sem graça e é totalmente fruto da mente de uma mulher branca, eu chamo de Sofia Coppola, então, Erika Lust para mim é a Sofia Coppola do pornô. Acha que está fazendo algo de grandioso, mas no final segue com padrões e sem gerar uma grande discussão sobre o tema. No final é aquela viagem egoica que todo branco ama.
E acredito que a Erika Lust é bom simbolismo de como não se discute pornografia do jeito que deveria.
Antes de mais nada, pornografia é um termo mais amplo, não se resume aos vídeos de sacanagem que estão na internet. É isso e muito mais, livros eróticos são pornografia.
E existe uma diferença GIGANTESCA entre discutir pornografia e discutir a INDÚSTRIA pornográfica. Indústria no sentido de pensar em alta produtividade e exploração do trabalho. ESTE tipo de discussão não acontece.
Se você quer criticar a pornografia, você precisa criticar o sistema capitalista que explora o corpo das mais diversas formas, incluindo sexualmente. Falar que a pornografia deixou “nosso cérebro doente”, que reforça a violência patriarcal, que faz com que tenhamos desejos de ter relações sexuais mais agressivas, isto não é um problema, aliás, este tipo de argumento não tem nada a ver com pornografia!
Criticar o pornô em cima de uma ótica moralista não ajuda em nada em melhorar as condições de trabalho dessas pessoas e nem ajuda a eliminar o pornô. As pessoas transam, sempre irão transar e terão suas taras específicas.
E aqui entramos em outro ponto…
A geração D de Damares Alves
Sendo uma pessoa que estudou sexo por um certo tempo, não nego a minha decepção com a juventude que está vindo. E me sinto uma senhora de 80 anos ao falar isso!
Um dias desses (já faz tempo), estava eu zanzando pelo twitter e uma conta dizia que, se for trair, é bom usar camisinha, afinal, lealdade é superior a fidelidade. E claro que essa geração foi a loucura.
É como se voltássemos a acreditar em uma instituição sagrada, chamada relacionamento monogâmico, no qual não há traição e nem transmissão de IST.
E para mim é triste ver isso por diversos motivos. Afinal toda e qualquer liberdade sexual conquistada esses sei lá, quase 40 anos, principalmente para mulheres, começasse a ruir, também ignorando completamente o que foi o HIV/AIDS nos anos 1980.
E percebo esse tipo de postura vindo principalmente de pessoas heterossexuais que, hoje, é a população mais atingida pelo HIV.
E é esta mesma geração, que está viciada em comédia romântica, que acha que camisinha é sinal de falta de confiança (e não de cuidado), que faz críticas pesadas pautadas em argumentos moralistas.
A sexualidade é muito maior e tem muito mais possibilidades do que essas mentes conservadoras colocam.
O lance da violência no sexo é algo interessante de se pensar. Quando falamos de BDSM, muitos encaram como uma representação da hierarquia machista que a sociedade impõe, homens dominam, mulheres são submissa. E isto está longe de ser uma realidade. Tanto que uma das origens do BDSM de hoje vêm de grupos que nem eram heterossexuais.
Ditar e julgar o erotismo do outro é jogar no lixo todo o processo de libertação que conquistamos a duras penas. E não é que nada é passível de crítica, porém, é importante prestar atenção em como esta crítica é feita e suas consequências.
O pouco uso de camisinha, em tempos que sexo causal rola a solto, é preocupante. Já tem casos de IST que são resistes a medicamentos e isto é completamente ignorado, porque é como se determinados grupos não fossem atingidos por isto.
O trabalhador sexual e você, caso você tenha uma vida sexual livre e não escolheu esperar TM, fazem parte do mesmo grupo de risco. Estão todos sujeitos aos riscos que um sexo sem proteção traz.
Enquanto a discussão sobre sexo for pautada em moralismo, e com essa geração Damares Alves, aparentemente seguirá assim, nunca conseguiremos avançar em pautas que realmente são importantes para um trabalho sexual decente e um melhor controle de IST.
Cada um transa do seu jeito, mas sempre de maneira segura. E pornografia não tem nada demais, o problema é sim o sistema capitalista que sempre pensará em explorar qualquer tipo de trabalho.
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Chegou até o final?
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