Foto de divulgação, filme: À Prova de Morte (2007)

Passando pano para o Tarantino?

Rafaela
7 min readApr 20, 2022

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Depois de muitos anos, finalmente vou falar de um dos meus filmes favoritos da vida, “À prova de morte” (2007) do Quentin Tarantino. Então, aviso que o texto vai ser puro spoiler!

Não quero generalizar experiências, mas acho que a adolescência acaba colocando uma questão na tua cabeça: qual grupo pertencer?
Mesmo quando você não tem esse desejo absurdo, não dá para negar que a gente sente uma certa pressão de que é importante fazer parte de algo.
Tem o grupo da galera popular, tem um grupo que curte uns esportes, tem os nerds e tem os cults pau no c*.

(existem outros grupos, claramente, mas acho que estes são os principais)

Definir o último grupo pode ser meio complexo, porque não é uma galera exatamente nerd, porém tem aquele quê de intelectual arrogante que tal grupo evoca. Mas, acredito que este tipo é bem mais arrogante, talvez no máximo consiga fingir mais solidariedade com minorias políticas/sociais.

Enfim, todo esse prólogo é para falar que eu escolhi fazer parte deste último grupo. Bom, já que eu não era bonita para os padrões da minha adolescência, era (sou) muito tímida, então bora dale estimular esse cérebro e virar uma intelectual.
Ok, então. Ser cult é gostar de ler, falar coisas difíceis e curtir cinema diferentão, assim acabei caindo nas graças do Quentin Tarantino.

Hoje, eu acredito que Tarantino cai naquele meio termo entre ser um cinema cult, mas ainda um tanto quanto mainstream, na realidade acho que ele é perfeito para quem se acha intelectual, mas na realidade não é.

Comecei assistindo Pulp Fiction, me sentindo super descolada, até porque meus pais achavam este filme super violento e difícil de assistir, mas também porque ninguém da minha escola tinha assistido. Depois fui passando pelos outros “clássicos” dele, como Kill Bill, Cães de Aluguel e Jackie Brown.

Eis que, não sei em que momento, eu descobri que ele iria lançar um projeto, em parceria com o Robert Rodriguez, que fazia homenagem aos filmes trashs dos anos 1970. Eram dois filmes, Planeta Terror e À Prova de Morte.
Não lembro se o filme já tinha sido lançado, mas demorei para assistir, porque ainda estávamos nos primórdios da internet e ainda não existiam tecnologias, como torrent e stremio.
Eu não tenho nenhuma memória da minha primeira vez assistindo, mas posso afirmar que amo este filme desde a primeira vez que o vi.
A história é sobre um dublê que tem como xodó o seu carro que é… À PROVA DE MORTE! Sim, nome do filme é óbvio, mas seguimos o baile.
O cara é aquele tipo que ama adrenalina e também tem um fraco por mulheres das quais ele nunca poderia encostar um dedo.
Qual é este tipo de mulher? Claro que gostosas descoladas!

Ok, minha narrativa aqui está sendo meio na brincadeira, mas é meio que isso mesmo.

O filme se divide em dois momento, um para apresentar a história dele e o que ele gosta de fazer, que é basicamente selecionar um alvo, um grupo de mulheres que sejam bonitas e fora do padrãozinho delicado de ser, ele persegue elas, para entender quais são as suas rotinas e, quando se sente pronto, usa o seu carro para acabar com elas.
Pelo filme, não dá para saber se é algo que ele sempre fez, ou se estamos lidando com as suas primeiras vítimas, mas a questão é que a primeira parte é esta apresentação e a segunda é que nem sempre as coisas vão dar certo…
Após ele aniquilar o primeiro grupo, ele parte para outra cidade e seleciona as suas novas vítimas.
Porém, entretanto contudo todavia, ele faz muito mal a sua escolha e escolhe mulheres que também são do ramo do cinema. No carro vemos duas dublês, uma maquiadora e uma modelo/atriz.
Ele faz a mesma coisas, tenta entender um pouco mais sobre elas, as persegue e quando encontra o momento adequado, BOOM, bate o seu carro contra o delas.
Porém, o que parecia ser uma diversão extasiante, no final, o jogo deu uma bela virada. Não só ele acabou sendo baleado, mas como elas foram atrás dele e acabaram com ele.

Contei de maneira bem resumida tudo que acontece, o filme é bem longo, tem mais de duas horas e acontecem muitas coisas no meio do caminho.

Neste filme vemos muitos elementos clássicos do cinema do Tarantino, a violência, a trilha sonora maravilhosa e diálogos interessantes no meio de uma refeição.
Mas não só isso, conseguimos ver muitas referências que fazem parte da formação e da criação de cinema dele.
Algo que preciso deixar a minha admiração é a singela referência ao filme “Faster, pussycat! KILL KILL” (1965), que retrata uma gangue de mulheres que enganam homens para tirar vantagens, tipo roubar ou coisa assim. Eu amo este filme, não só pela temática, que também traz carros em alta velocidade, mas porque a líder da gangue é uma mulher amarela! Tura Satana brilha e a personagem que ela faz é maravilhosa.

Assisti este filme um monte de vezes, o que me deixou bastante interessada no mundo Tarantino, claramente me sentindo uma super cinéfila.
Adorei os dois Kill Bill, Bastardos Inglórios é muito legal, mas senti que a qualidade dos seus filmes foram diminuindo.
O Tarantino meio que saiu da sombra mais cult e acabou caindo nas “graças do povo” e virou um diretor estrelinha, no qual toda atriz ou ator quer poder falar que já trabalhou com ele.
Somado com isto, vieram toda questão do movimento #MeToo, com as denúncias de assédio e abuso por parte do Harvey Weinstein, dono da produtora dos filmes do Tarantino.
No momento, o diretor se absteve da discussão, mas ele chegou a falar que sabia de tudo que acontecia, não lembro como ele tentou se defender, se talvez teria alegado se sentir impotente, ou coisa assim.

Algo válido, mas nem tanto, porque, ao meu ver, o próprio Tarantino é uma figura violenta.
Dois momentos demonstram um pouco isso. Um deles é a falta de segurança que a Uma Thurman teve ao gravar Kill Bill Vol. 2.
Não sei se lembra, mas em uma das cenas ela está dirigindo um carro meio antigo em uma estradinha um tanto quanto precária. Muito tempo depois das filmagens, foram divulgados vídeos dos bastidores desta cena. Além do carro estar em péssimas condições para dirigir, a atriz reclamara da instabilidade do veículo, mas também ela sofreu um acidente por ninguém ter levado a reclamação dela em consideração.
Outro momento é no filme Bastardos Inglórios, em que há uma cena com a atriz Diane Kruger sendo enforcada. Para dar tons de realidade e sabendo que o ator Christoph Waltz não teria coragem de fazer o que ele pedia, o próprio Tarantino sufocou a atriz, tanto que, as mãos que vemos na cena são do diretor.
Poderia colocar a podolatria na conta também, mas acho que este assunto é mais birra minha mesmo.

Tudo isso me deixou longe de À Prova de Morte. Um filme que assisti tantas vezes e que tudo que aconteceu nestes anos real me deixou um questionamento se eu ainda gostava do filme.

Mas, depois de tantos tempos sem assistir e motivada pelas madrugadas alcoolizadas, eu voltei a ver e, cara, não tem como, À Prova de Morte é um dos meu filmes favoritos, talvez seja até o Top 1.

E isto me fez ter outro questionamento, será que eu estaria passando pano para tudo que o Tarantino fez? Será que merece isso? Será que vale a desculpa de separar o autor da obra, assim como fazem com a J.K. Rolling ou o Woody Allen?
Não sei se isto serve como resposta, mas eu não sinto mais que o Tarantino seja o diretor tão incrível quanto eu achava.
À Prova de Morte é um filme que eu amo porque ele é trash, porque ele tem uma trilha sonora incrível e porque ele tem mulheres fortes que meteram a porrada num cara babaca. E é isto.
Mas eu não consigo ver com bons olhos os filmes mais recentes dele.
Django Livre se propõe como uma obra catártica, mas na realidade serviu para o diretor usar o Samuel L. Jackson falar n*gg* o tempo todo. Em Os Oito Odiados ele faz uso de uma violência para justificar outra, como se estupro fosse ok se você estivesse querendo agredir um racista.
E eu não posso deixar de mencionar a péssima “homenagem” que ele diz ter feito ao Bruce Lee em Era uma Vez em Hollywood. Pintando ele como uma figura de extrema arrogância e sendo derrotado por um homem branco na luta que ele, Bruce Lee, domina.

É difícil fazer uma separação tão clara de autor e obra, porque o que a gente cria é parte da gente. À Prova de Morte tem um valor afetivo muito grande para mim e acho que ele retrata a essência do Tarantino, eu gosto desse filme, mas não consigo mais gostar de qualquer coisa que tenha algum dedo do Tarantino…

Não acho que eu tenha conseguido chegar em qualquer conclusão que seja. O assunto não é simples e estamos aí para debater até onde for possível.
Mas, À Prova de Morte é, como deixei claro ao longo do texto, um dos melhores filmes que já vi na vida.

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Chegou até o final?

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Rafaela

Antropóloga e especialista em assuntos aleatórios! Uso letras minúsculas para me sentir mais livre. Newsletter: https://tinyletter.com/cafezinho_da_tarde