Nicolas Cage no filme O Peso do Talento

Nicolas Cage, EU TE DEDICO!

Rafaela
12 min readAug 10, 2022

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Para já te deixar no clima do texto, quero que você pense na coisa mais esquisita que já assistiu, ou ouviu, que você tenha GOSTADO. Gostado de verdade, apreciado e quando comentou com alguém, tal pessoa olhou com um certo estranhamento, do tipo “nossa, você gosta disso mesmo?”.

Pensou? Então você está no clima certo para ler este textinho que vos escrevo!

Sabe, não sei você, mas eu sempre fui considerada uma criatura meio esquisita. E confesso que tudo isso e essa palavra sempre foram muito curiosas para mim, porque eu realmente não via isso como algo negativo, mas sim como algo excelente! Talvez por algum tipo de ego infantil que quer se diferenciar, ser descolada de uma certa maneira. Ser esquisita soava um caminho interessante para isso.

Ser esquisito, ser diferente é algo realmente positivo, mas isto esconde umas questões muito mais complexas de lidar do que a gente imagina e isso leva para dois aspectos diferentes, desde como é ser uma pessoa diferente e em como o coletivo ao seu redor consegue te receber (ou não), o que também escalona para outras coisas, sobre o quanto isto impacta a criatividade, o quanto isto impacta inovação (relaxa não quero falar tanto sobre trabalho, mas talvez fale um pouco), o quanto isto impacta a própria noção de POSSIBILIDADE, em um sentido super abstrato do termo.

Ser uma pessoa criativa que trabalha com criatividade te dá poucas certezas na vida, mas uma dela é que, eventualmente, você vai passar por uma crise e por bloqueios. E qual a melhor maneira de lidar com isso? Ler quem também trabalha com criatividade e como essas pessoas lidaram com isso! Não é à toa que existe tanto livro de “como escrever” e coisas do tipo.

Já mencionei por aí que, no começo deste ano, eu li O Caminho do Artista, uma espécie de bíblia misturado com guia prático para pessoas criativas.

Ele traz outra certeza do mundo criativo: toda pessoa criativa é insegura e é insegura porque em algum momento na infância alguém, mesmo com as melhores das intenções, disse que aquela coisa criativa que você estava fazendo não ia levar a nada. O adulto reprimido é uma criança machucada (alou psicanálise!!).

Sem querer despertar gatilhos em você, mas se quiser fazer esse exercício de lembrança, tente lembrar de algo que você estava fazendo, sei lá, pintando, desenhando, escrevendo, fazendo um poema, compondo uma uma música, aprendendo um instrumento, algo assim e alguém disse alguma palavra do tipo “você é muito bom neste HOBBY, mas não dá para ser trabalho, né?”.

perdoa os gatilhos aí, enfim

Talvez você tenha sido essa criança, eu fui essa criança. E talvez tenha um peso de ser descendentes de japoneses e, aqui no Ocidente, temos pouco contato com a produção artística daquele lado do mundo e nem prestamos atenção nos artistas daqui que sejam de ascendência japonesa, afinal, todos pensam que somos um “povo” que lida com exatas e trabalhos sérios (chatos e sem criatividade).

Minha ideia hoje não é entrar nessa discussão, mas realmente pensar nas coisas ao longo da vida que vão forçando a gente entrar em certas caixinhas.

Enfim, a gente não nasce pronto, tudo que acontece em nossas vidas vão moldando como vamos ser no futuro. Seja de maneira consciente, ou não, todo esse processo acontece. Parte do meu processo envolveu ativamente ser diferente, ser meio esquisita. Mas, hoje, tudo isso me deixa meio em crise, por não conseguir me encaixar em certos espaços, por não conseguir achar uma caixinha para chamar de minha.

E parte dessa crise está envolvendo procurar figuras que estiveram ou estão nesse local de diferente e meio esquisito.

Um primeiro estalo que tive foi com a Kate Bush, cantora e performer britânica que voltou à moda por causa da série Stranger Things. Se você não se deparou com a música dela por aí, nas redes sociais, bom, olha aí um ponto de diferenciação para você!

Ela foi descoberta bem novinha, pelo David Gilmour, do Pink Floyd (esquisitos reconhecem o potencial de um do outro não é mesmo?), e já com 16 anos tinha um contrato assinado com uma gravadora. Sua arte tinha muita peculiaridade, ritmos diferentes, letras com pegadas literárias, uma performance impactante que, juntando tudo, geravam algo inusitado.

Ela era bem esquisita, mas suas músicas foram bem recebidas na Inglaterra, mundialmente nem tanto… E sua esquisitice não se resumia no seu estilo, ela tem aquela pegada “antiga” de artista de querer se isolar e poder criar tudo o que sua mente lhe permitia criar, tanto que, se não fosse a fama e a necessidade de ter que aparecer para imprensa, com certeza ela ainda estaria lançando suas músicas, músicas inéditas.

Isso é notório da sua figura, tanto que entre os seus lançamentos, ela sumia por anos, para voltar com um álbum novo, para depois sumir de novo, lançar um álbum novo, até que ela sumiu da vida artística de vez. Eu não duvido nada que durante todo esse tempo que ela está fora do foco, ela deve ter criado obras incríveis que talvez só iremos conhecer depois dela partir dessa para uma melhor.

A obrigatoriedade de aparecer, o que também a obrigava se seguir certos protocolos sociais, a fez se afastar do prazer em criar. Assim, ela optou por sair desse mundo, caindo no esquecimento, até ser reavivada e finalmente valorizada décadas depois.

Se nos anos 1980 ela era esquisita demais, hoje ela é uma figura super descolada entre os jovens.

Para seguir na parte musical… Grace Jones correu para que figuras como Lady Gaga pudessem caminhar em paz!

Estes dias eu estava zanzando pelo Twitter e me deparei com uma thread com algumas fotos e trechos de entrevistas da Grace Jones.

Confesso que gosto pelo Disco veio bem tarde, porém eu sempre via imagens da Grace Jones e acho ela de uma beleza sem igual, sem falar no estilo dela, pensa numa mulher que SUSTENTA O LOOK, que tem personalidade, que tem bom gosto. Apesar de ter começado ouvir ela já sendo mais velha, hoje, para mim ela é uma artista sem igual.

Aliás, vale a pena conferir a faixa dela no novo álbum da Beyoncé.

Mas por que trago ela aqui?

Dentre os trechos que a pessoa colocou, parte incluía uma frase poderosa: Se hoje existe uma Lady Gaga, foi por minha causa. Muitas artistas hoje existem porque eu abri caminho para elas existirem.

É uma frase poderosa e que esconde muitas coisas, não vou me debruçar nos seus significados, porém, te deixo com esta reflexão de que o quanto as coisas que vemos hoje realmente estão no local de serem inovadoras.

Por mais que Grace Jones tenha tido sucesso, por mais que ela tem sim um nome da música, ela nunca recebeu a devida valorização pelo seu trabalho e pela sua revolução na moda.

Agora vamos mudar um pouco de mídia…

Preciso confessar uma coisa!

Eu amo os filmes do Nicolas Cage, principalmente os mais recentes! Ufa, tirei um peso dos ombros…

Mas, aproveitando que mencionei ele…

Esses tempos vi um dos seus últimos lançamentos, o nome do filme é O Peso do Talento, no qual ele meio que conta a sua própria história. Assim, não sei o quão autobiográfico é de fato, mas o filme é sobre ele.

O filme é sobre um ator promissor, que obteve fama, dinheiro e, de repente, se vê afundado na lama e precisando de dinheiro. Apesar dessa história meio deprê, o filme é de ação e tem umas tiradas cômicas incríveis.

E trago o Nicolas Cage para minha listinha de esquisitos desvalorizados justamente porque ele é desvalorizado, talvez por vir de uma família que é notória no ramo do cinema, você sabia que ele é sobrinho do Francis Ford Coppola? Pois é…

Enfim.

Eu não sou ligada em ver críticas de cinema, mas imagino que sua atuação não seja a mais celebrada em Hollywood, bem como nem suas escolhas para fazer filmes.

Principalmente nos últimos anos, sua elas andam bem duvidosa, tanto que nessas tem toda a história dele estar precisando de dinheiro e por isso fez inúmeros filmes em pouco tempo.

Alguns muito bons, como Pig, Willy’s Wonderland — Parque Maldito (esse aqui para quem curte trash é indispensável), A Cor que Caiu do Espaço (filme também indispensável para quem curte trash), O Peso do Talento e o injustiçado Jiu Jitsu! Só para citar alguns….

Tais filmes acabaram colocando ele numa categoria de “ator ruim” que eu particularmente acho questionável. Ele atua muito bem e os filmes são bons (ok Jiu Jitsu nem tanto), mas a questão talvez caia na expectativa que temos como público do que seria um bom ator.

Acredito que ele não se encaixe tanto nisso, mas não porque ele é ruim, mas porque a gente define critérios, de maneira inconsciente, do que seria um bom ator.

Não sei se algum filme dele já entra na categoria de clássico, mas aposto que alguns de hoje, no futuro, serão sim clássicos, principalmente os que têm uma pegada mais trash.

O ano é 2022 e será que o cinema mudo ainda tem espaço na nossa formulação de gostos?

Na minha formulação tem, porém ainda sim somos uma geração que se acostumou com as falas, com a pressa, com a rapidez das coisas, com prestar atenção em 30 coisas diferentes ao mesmo tempo… Confesso que me sinto intimidada com a proposta de um filme mudo.

Você não pode tirar o olho da tela, é preciso prestar atenção nas expressões das pessoas, é preciso ler o que aparece escrito, não dá para se distrair!

E tem outro ponto, quem a gente sabe que é um clássico do cinema mudo, além do Charles Chaplin?

E, como já deu para perceber que eu sempre quero O DIFERENTE, eu não iria pegar um filme do Chaplin para ver, até porque já está batido e todo mundo fala dele.

Navegando entre alguns canais mais cult, vi uma breve biografia sobre o Buster Keaton.

Você já ouviu falar dele? Pois é, eu também não!

Seu nome verdadeiro era Joseph Frank Keaton VI e apesar dos números romanos, ele não vinha de família nobre. Na realidade, sua família era do ramo do entretenimento, mais em específico do Vaudeville, algo que incluía muitas coisas, como circos dos horrores, teatro, acrobacias, cantos populares e o que imaginar.

Dentro do espetáculo dos seus pais (e na vida), ele sempre foi muito espoleta e muito acrobático, além disso, tinha um tom de comédia bastante peculiar e diria até que simples.

Seu processo no cinema foi de um jeito tradicional, alguém viu talento nele e o trouxe para atuar junto. Começando em curtas e depois em longas.

A sua fama não demorou a chegar, com um estilo único que realmente fazia bom uso do corpo.

Os filmes dele não possuem nenhuma pegada mais intelectual, como teria um Tempos Modernos de Chaplin, mas ainda sim mostram um brilhantismo único.

A sua comédia se pautava em trapalhadas e acrobacias, bem como composições de cenas absurdas que te fazem olhar para tela com uma expressão de “meu deus, o que está acontecendo aqui?”.

Além disso, o seu processo criativo também era único. Ele não fazia roteiros, ele não fazia grandes planejamentos, junto com sua equipe, eles tinham uma ideia, uma história e iam desenvolvendo ao longo da filmagem. Algo bem maluco, ainda mais se pensar em um orçamento apertado! (Mas convenhamos que neste aspecto, ser criativo e inovador faz toda a diferença, a exemplo de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, que pelo que se vê ali, parece que o orçamento foi absurdo de grande)

O talento deste homem foi percebido por um grande estúdio de Hollywood, a MGM, que queriam contratar, pois ele até então tinha sua própria produtora e fazia tudo de maneira mais independente.

Parece um passo importante da carreira, um passo que demonstra que ele estava evoluindo. Mas neste caso não, este contrato foi o que acabou com a carreira dele.

O seu jeito único, criativo e inovador de fazer cinema não combinava com a MGM, que tinha uma forma específica de fazer cinema e obrigava todos a seguirem essa fórmula. Ele foi avisado pelo Chaplin que esta seria a pior decisão da carreira dele, mas a grana, o din din, o faz me rir, sempre fala mais alto, ainda mais quando se está ruim das pernas.

Ele assina o contrato e começa a se deparar com o modo rígido de fazer cinema, algo que ele não estava acostumado. Pior de tudo, além disso ele ainda teria que FALAR!

Neste momento, sua vida já estava meio conturbada, o que fez ele se afundar ainda mais no vício em álcool e, meio que tudo isso matou a sua carreira.

Pessoas esquisitinhas, inovadoras, criativas, mas que se viram obrigadas a se enquadrar em caixinhas.

Falei tudo isso para trazer a seguinte questão: o quanto a gente realmente aceita o diferente? Por mais legal que ele seja.

O quanto realmente queremos algo criativo e inovador?

O quanto realmente queremos que algo saia da caixinha (para usar um jargão comum dentro do marketing e empreendedorismo)?

A criatividade, como ela realmente é, não funciona se você coloca limite nela.

Eu não acredito em destino, mas esses dias, pesquisando coisas para o trabalho, me deparei com um texto que eventualmente dizia que o nosso cérebro precisa de padrões, precisa de caixinhas, porque assim ele consegue compreender o mundo a sua volta.

O exemplo dado é aquela coisa de ver formas nas nuvens, ou ver rostos em desenhos abstratos.

A nossa cabeça necessita de um padrão porque isso facilita a vida, porque isso ajuda a entender com maior facilidade o que está acontecendo, assim, qualquer coisa nova gera um bug no cérebro, deixando confuso e sem saber o que fazer.

Puxando mais para a minha área (antropologia e não marketing rs), não à toa temos hábitos e costumes culturais, padrões sociais, normas e tudo que gira em torno da nossa vida coletiva.

Por que criamos roteiros para os nossos relacionamentos? Porque isto ajuda a cortar caminho, porque isto dá uma segurança de que a situação tem uma trajetória já determinada. Assim, sem perceber afastamos o diferente porque ele demanda um tipo de uso do cérebro no qual, normalmente, não estamos dispostos a usar.

Sendo uma pessoa que nunca viveu dessa maneira, acho curioso esse desespero inconsciente pelas caixinhas, mas também sofro, pois esse desespero sufoca muito a minha necessidade criativa.

E também nesse desespero pelas caixinhas, acabamos eliminado uma coisa maravilhosa: as possibilidades.

As possibilidades de uma nova vida, de uma nova história, de um novo tudo. Sei que sonhar hoje em dia parece muito ousado, mas quem é criativo, antes de mais nada é um sonhador (ou um paranoico também).

Um outro exemplo de tudo isso são as redes sociais e os algoritmos por trás delas!

Esses dias, eu estava lendo um artigo na Folha de São Paulo e basicamente a toada era de que os algoritmos estavam matando a criatividade e que ele estava padronizando tudo, padronizando a moda, porque todo mundo estava se vestindo igual e as propagandas só direcionam roupas iguais.

Não está errado, porém a pessoa esquece uma parte importante do algoritmo: ele é criado por pessoas e ele é padronizado em cima de conceitos específicos.

Lá vem o padrão de novo… Mas neste caso ele é um tanto quanto essencial, pois padronizar comportamentos, implica em também padronizar compras e criar uma estatística mais previsível do que grandes empresas podem investir.

Então, se você sente que vê tudo igual nas redes sociais é porque existe todo um processo complexo por trás para que você veja tudo igual e deseje fazer parte deste igual.

Talvez isto demonstre a nossa necessidade de se encaixar em coletivos, em grupos específicos, como se estivéssemos ativando uma parte “primitiva” do nosso cérebro de querer fazer parte de algo para conseguir sobreviver.

E sinceramente, não acho que esteja necessariamente errado. Como mencionei nas histórias que trouxe hoje, estar fora das caixinhas te empurra para um local de exclusão e solidão, bem como te coloca uma necessidade fora do normal de combater essas forças que querem te enfiar em algum lugar, seja te obrigando a se encaixar num espaço que não faz sentido para você, seja te enfiando no buraco para ser esquecido.

A criatividade mesmo, no seu sentido mais puro, ninguém tem interesse. Porque moldamos um mundo a nossa volta para seguir um determinado padrão, assim, tudo que foge disso sofre com algum tipo de reprimenda.

A sorte e a sobrevivência está do lado de quem consegue se encaixar.

Bom, novamente me encontro no buraco de ter feito um texto enorme e talvez tenha me perdido na discussão que eu gostaria de trazer.

Mas acredito que o cerne é trazer a reflexão do quanto realmente conseguirmos acolher o diferente, do quanto conseguimos aceitar o que está nesse local de esquisito.

Eu acredito que não estamos preparados para isso, o que acaba trazendo inúmeras consequências, em geral destruindo inúmeras possibilidades que a criatividade pura poderia nos proporcionar.

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Chegou até o final?

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Rafaela

Antropóloga e especialista em assuntos aleatórios! Uso letras minúsculas para me sentir mais livre. Newsletter: https://tinyletter.com/cafezinho_da_tarde