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Bateu insegurança? Dá match que resolve- Amores virtuais

Rafaela

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Escrever é uma coisa que me coloca em crise em certo ponto, pois quero falar de coisas, trazer questões do que é ser uma jovem adulta no século XXI, mas ao mesmo tempo tentar evitar ao máximo exposição da minha vida.
Eu sou uma pessoa fechada e não permito que qualquer um saiba do que passo, ou do que vivi. Porém, estou aqui, olhando para o computador, digitando estas palavras e tentando pensar em como abordar este assunto sem me expor de uma certa maneira.
Acho que esta tarefa será quase impossível, então, vamos seguir um estilo meio Carrie Bradshaw, de Sex and the City e falar das questões, mas fazendo certas alterações, não queremos mencionar nome de ninguém não é mesmo?

E falando em sexo e a cidade, não nego que o tema dos afetos, dos amores, dos sexos e dos encontros tem dominado boa parte do meu pensamento.
Não consigo ter uma estimativa, até porque nem fui atrás, mas minha sensação é que, hoje, boa parte das pessoas já estiveram ou estão dentro de aplicativos de relacionamentos. Mas é até complexo não estar, claro que quem consegue encontrar seus amores à moda antiga, ótimo, mas tendo uma rotina agitada, com mil compromissos, responsabilidades de vida adulta, às vezes fica difícil.

Nesse ponto, até o solteiro mais convicto bate uma certa solidão, um medo de ficar sozinho, porque né, as vozes da autoridades (emprestando o termo da bell hooks), dizem que precisamos ter alguém em nossas vidas, por mais efêmero que seja.
Então, surgem as inseguranças, o celular está ali do lado, por que não baixar um app de pegação para ver o que rola?
Faz a conta, monta o perfil para soar atraente. Foto bonita, foto no role para parecer sociável, com livro para parecer intelectual, de viagem, tudo para ter aquele perfil DESCOLADO. Uma bio engraçada, ou super militante, tudo sempre voltado para atrair o teu público-alvo.
Ah, o marketing, nem nisso ele nos escapa, né?

E começa os likes, começam os matches, mais matches e o ego, que antes estava meio frágil, fica satisfeito. Sim, eu sou uma pessoa desejada. E é isso, a catarse, o gozo do ego.

E você de fato sente uma satisfação disso, mas, assim como qualquer droga, o match vicia, meio que com esquema de condicionamento, de like em like é esperado o reforço positivo (ser desejado). Você quer mais. E de match em match, o mais que você deseja é atenção.
E eu montei essa historinha toda para te enrolar, para ver se eu conseguia não falar de mim, mas é inevitável.

Não vou mentir, eu entro e saio desses apps porque o ego precisa de um certo carinho. Sendo uma mulher insegura que nunca se sentiu muito desejada pelo Outro (em geral um homem branco, porque é nisso que nós, pessoas racializadas, aprendemos que devemos gostar), ali permitia essa massagem no ego. Mas assim, nunca passava muito disso, até porque nunca tive muita paciência.

AGORA nessa volta a um pouco de normalidade, tenho me empenhado mais em conhecer pessoas. Não ficar no match, mandar mensagem, conversa e ver o no que dá.
E tenho percebido algo interessante e diferente do que já experienciei anos atrás, antes da pandemia.

Você pode ser uma pessoa fria o quanto quiser, mas não negue a sensação de ter atenção, de sentir que tem alguém ali preocupado com você, querendo ver que você está bem, é muito boa. É nosso narcisismo falando, porque é uma delícia sentir que algo está girando em torno de nós.
MAS, o ponto que quero trazer aqui é que esse desejo por atenção tem sido uma certa toada…. Ao menos nas minhas experiências.

Vou trazer alguns causos.

Andrei é um moço jovem, tem seus 26 anos carregado de inseguranças das quais ele projeta sem nem perceber. Mal começamos a conversar sofri uma pressão imensa sobre marcar um encontro, pois ele só via as pessoas querendo conversar online, mas nunca querendo sair. A sua insegurança foi crescente, cresceu a ponto do desrespeito porque ele não poderia esperar mais um segundo sequer, afinal AS PESSOAS SÓ QUEREM CONVERSAR ONLINE. Preencher um vazio, aquele contato diário que temos quando nos envolvemos com alguém, mas sem a responsabilidade que o envolvimento traz.
Ele CLAMAVA por atenção a ponto de perder qualquer traquejo social, qualquer educação. Ele precisava ter um encontro garantido para se sentir minimamente seguro.

Igor é mais velho, tem 40 anos, tem um trabalho importante. Um cara que conversa. Conversa até demais. Parece que é alguém que quer dar e receber atenção. Mas fala muito, mas fala muito sobre si mesmo. Como foi seu dia? Nossa foi ruim, que pena, mas meu dia foi [insira aqui um texto imenso e desnecessariamente detalhado]. A insegurança pode transparecer de diversas formas, assim como o narcisismo. A necessidade de reforçar a atenção, de clamar por atenção, que tudo gire em torno da pessoa, aparece nesse comportamento expansivo que se disfarça de preocupação com o outro.

Nikolai tem lá seus 35 anos bem vividos. Já foi casado por mais de 10 anos, passou boa parte da sua vida acadêmica no exterior, muitas publicações, hoje trabalha em uma universidade de ponta. Deu muita atenção, mas deu muita atenção como um bom charme envolvente de um narcisista convicto. E esse charme envolvente é uma ótima armadilha, porque é quente, é gostoso, é fogoso, você quer mais. Então, quando ele acha que tem você sob controle, começa todo o aspecto narcisista de DEMANDAR que tudo seja sobre ele.

O que eu sinto nesse mundo depois de tanto tempo isolado é que temos nossas carências e cada um está dentro do seu desespero para supri-las. E isto, por parte de homens, está mais preocupante.
A masculinidade padrão é pautada no narcisismo. Homens cis aprenderam que há um Outro que irá cuidar dele, sendo esse outro uma mulher ou outro grupo marginalizado. É um costume se colocar no centro do mundo.
Não sei se hoje estou mais atenta com este tipo de comportamento, mas é isso que vejo na grande maioria dos casos entre os caras dos apps. E sim, digo caras porque sinto uma comunicação muito mais fluida com mulheres.

Dentro deste comportamento masculino padrão há um misto de insegurança com narcisismo que corta o barato. O cara está intensamente querendo suprir esse vazio de estar sozinho, de não ter alguém constantemente lhe dando atenção, de não ter alguém que o coloque como centro.
E o problema é: nunca terá este alguém. E vira esta evolução de um vício em apps de relacionamento, a insegurança bate, vem a vontade de ter alguém, baixa o app, tenta fazer um perfil super cativante, muitos matches, ego melhora, mas eventualmente os matches não são mais suficientes, então começa a conversar de fato e requisitar atenção, consegue atenção e o desespero de manter essa atenção. Bola de neve, mas que derrete porque é chato.

Nós, bicho humanos que crescemos acreditando que somos um ser social, não aprendemos a lidar com a solidão, com o estar sozinho e, até o solteiro mais convicto, vai ter essa crise. Eu tive, você deve ter tido ou estar passando por isso.
E por mais que eu seja totalmente contra com o discurso liberal de que você tem que resolver suas coisas, neste caso, as inseguranças e carências é nós mesmos que temos aprender a suprir.
Esses dias, na terapia, eu reclamei da falta de acolhimento, passando por um princípio de burnout enquanto essas criaturas demandavam minha atenção, mas ela me sacudiu e lembrou que, os nossos cacos é a gente mesmo que tem que catar e colar.
Enquanto usarmos os apps para suprir nossas carência, nada, nunca vai dar certo.

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Chegou até o final?

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Rafaela

Antropóloga e especialista em assuntos aleatórios! Uso letras minúsculas para me sentir mais livre. Newsletter: https://tinyletter.com/cafezinho_da_tarde